Capítulo XIX

Ante a perspectiva de obter algumas respostas às suas questões, decidiu ser cuidadosa na escolha das palavras e começou, devagar:

– Bem, estive aqui ontem pela manhã, como de costume, e encontrei a biblioteca diferente. Digamos que algumas coisas estavam fora de lugar.

– Me desculpe, princesa. Não entendo porque a limpeza não foi efetuada por outros empregados, já que não estávamos aqui. – disse Moira que até agora não parecia ter voz. – É sempre certo que quando um empregado se ausenta outro toma seu lugar para evitar que cômodo algum fique sem a limpeza diária.

– Sim, Moira. Já pude constatar isso. Porém, quando vi tudo fora de lugar preferi que ninguém os tirasse do lugar até que vocês voltassem. Fui até a cozinha e deixei claro minhas intenções. Por isso é que tudo está como encontrei ontem, com exceção dos livros sobre a mesa que agora estão fechados e empilhados com outros que eu peguei nas prateleiras.

Levantou-se e deu alguns passos em direção a mesa. Fez um silêncio calculado aproveitando para escolher bem as palavras desta vez:

– Achei os livros bastante interessantes. – e, num rompante de coragem, disparou:

– Algo está acontecendo, não? O que está realmente acontecendo? Eu já havia perguntado isso a você, Theodore, mas fomos interrompidos e depois não pude mais encontrá-lo. Não me esqueci, porém. E as coisas continuam acontecendo, portanto não posso mesmo tentar relevar. Preciso descobrir alguma coisa e tenho certeza de que um de vocês, talvez ambos, poderia me ajudar. Você, Theodore. – e olhou diretamente para o velho senhor – Percebeu algo também, não? Naquele dia em que estávamos aqui mesmo, no dia em que desfaleci por alguns instantes. – tomou fôlego rapidamente e logo continuou – Vou repetir as perguntas que você não teve a oportunidade de me responder: O que está acontecendo comigo? Por que tenho a sensação de nos conhecermos já há muito tempo se não me lembro de nada que justifique essa sensação? – parou de falar e continuou olhando para ele, em seus olhos.

– A que exatamente a princesa se refere? Preciso saber em que a princesa se baseia para que eu possa respondê-la satisfatoriamente.

Aí estava, a porta que a levaria para todas as respostas estava se abrindo, ela sentia. Só precisa entrar bem devagar. Suspirou e escolheu melhor ainda as palavras, mas percebeu que para obter respostas teria que revelar também muitas coisas, implícitas nas próprias perguntas. Resolveu sentar-se, pois, ao que parecia, seria uma longa conversa. Gostaria que o casal também se sentasse, junto a ela, mas teve receio de que eles não o fariam, por respeito.

– Muitas coisas estão acontecendo e rápido demais, eu diria. Sensações desconhecidas a mim até então têm me assaltado e tenho percebido que, em alguns momentos, compartilho destas sensações com outras pessoas. Você é uma delas, Theodore. Mas não sei explicá-las, não consigo descrevê-las, apenas as sinto. Tenho sentido coisas estranhas, quase lembranças, mas não podem ser lembranças, certo? São impressões, e sonhos. Há sinais por toda a parte agora, me indicando um caminho que não consigo tomar, que não sei como chegar e não sei sequer para onde este caminho irá me levar. – colocou as mãos no rosto e seus olhos se perderam no espaço vazio, buscando uma explicação melhor. – Oh, estou confusa, não posso ser mais clara com tantas coisas se misturando em minha mente. Meu coração está repleto de sentimentos novos e não sei como lidar com eles. Tenho a sensação que algo está reservado para mim, algo que preciso descobrir. E sinto que posso confiar em você, Theodore. E em você, Moira. – e calou-se, desanimada, baixando os olhos para as próprias mãos. Não sabia como continuar.

Quando levantou os olhos viu no casal uma expressão única que a deixou desconcertada, mas feliz. Seria carinho? Ou talvez uma compreensão tão grande acompanhada de pura bondade? Ambos deram um passo à frente, Moira um pouco mais tímida que Theodore. Sentiu que se tivessem um relacionamento mais íntimo seria agora a hora em que teria suas mãos acolhidas entre as deles e, quem sabe, receberia um abraço. Foi o que sentiu naqueles olhares. Um afago.

– Minha pequena princesa – começo Theodore – há tantas coisas invadindo sua mente e seu coração e ainda há tanto para ser dito. Temo que seja uma carga grande demais para a senhorita. Mas não é possível lutar com o destino sem que haja muito esforço e muita coragem.

Ele chegou um pouco mais perto e a luz da lamparina revelou em seu supercílio esquerdo um ferimento que ela não havia antes. Parecia recente. Ameba olhou melhor e percebeu que não era o único ferimento. Havia manhas arroxeadas do outro lado do rosto e na mão direita um corte que ia dos dedos e se escondia por debaixo do punho da camisa não revelando assim seu real tamanho. Olhou para Moira e constatou que também nela alguns ferimentos se escondiam por debaixo dos cabelos, porém menores. Sentiu medo, por eles, por ela, por tudo o que estava acontecendo. Ficou olhando tão fixamente para os cortes que o livreiro percebeu e parou de falar.
– Não se preocupe com isso, senhorita. Não é nada grave. Um pequeno acidente apenas.

– Pequeno acidente? Sua mão, seu rosto, e o seu também, Moira. O que aconteceu?

– Na hora certa poderá entender, princesa. Tenha calma. Mas aqui na biblioteca não poderemos falar com tranqüilidade sobre tudo sem o risco de sermos interrompidos pelos empregados que virão verificar as luzes acesas. Precisamos ir para um lugar mais adequado. Terá que ser mais tarde, porém. Num horário em que todos estejam dormindo e não percebam sua ausência.

– Certo. Onde, quando?

– Em duas horas, encontre-nos no jardim. Mas vá com cuidado e em silêncio absoluto. Não convém levar a lamparina, pois a luz poderá chamar a atenção de alguém. Terá que confiar em seus próprios instintos, certo?

– Sim, sim. Estarei lá em duas horas.

– E, princesa... quem irá esperá-la será William, certo?

Um calor subiu por seu corpo ao imaginar que estaria no jardim, a sós com William, tão tarde da noite. Assentiu em silêncio e tratou de se recolher rapidamente completamente tomada pela ansiedade, antes que alguém desconfiasse de algo. Antes, porém, já que tinha tempo, resolveu comer alguma coisa antes que passasse mal por estar em jejum por tantas horas. Em vinte minutos já estava entrando em seu quarto.

Tinha que esperar ainda por mais de uma hora e resolveu olhar melhor o mapa. Agora, com novos conhecimentos adquiridos nos dois dias de muito estudo, via cada traço com outros olhos. Embora faltasse um globo terrestre para auxiliar na localização indicada no mapa, podia perceber coisas que antes eram apenas traços sem sentido. Constatou também que, embora já soubesse muito mais que antes, ainda lhe faltavam os conhecimentos dos outros dois livros. Algumas anotações nas laterais do papel continham termos e palavras que desconhecia. A sensação era de frustração, mas de vitória também. Sabia que, de acordo com o que tinha aprendido, poderia conseguir decifrar aquelas palavras, traços, símbolos assim que adquirisse conhecimento suficiente. Já tinha conseguido um grande progresso, faltava apenas a metade. E mergulhada naquele mapa ela ficou por vários minutos.

Algum tempo depois já era hora de ir. Não sabia se o percurso do quarto até o jardim seria tranqüilo. Se encontrasse alguém, certamente teria que esconder-se ou, se fosse vista, teria que inventar alguma desculpa para estar fora da cama e isso causaria algum atraso. Embora temerosa com o risco da situação em que se encontrava, tinha a certeza de que era o que devia ser feito. Sentia isso no fundo do peito e essa certeza lhe deu forças para prosseguir. Pegou um xale, respirou fundo algumas vezes e saiu.

2 comentários:

Maiah Loren disse...

Olá Cintia,
Achei seu blog por acaso enquanto procurava tirinhas do garfield... rs

Bom, não demorou muito pra me ver seduzida pelos mistérios da Princesa Ameba... Mas parece que você nao pretende continuar... Tem certeza?? rs

Beijos e sucesso, seu blog é de dar inveja!

Cintia disse...

Maria
Me desculpe, só vi seu comentário hoje.
Eu pretendo continuar sim com a Princesa Ameba. Tenho um carinho tão grande por ela... é engraçado, o personagem passa a ser um conhecido.:D

Tenho capítulos prontos, só falta postar. Tive um problema que me atrapalhou um pouco mas prometo que ainda esta semana estou postando, ok?

Fico feliz que gostou. Um beijão!