Capítulo III

Por noites e noites ela tentou fugir daquele ser misterioso mas seu corpo não obedecia. A sensação era de tanto sofrimento que acordava assustada, tremendo e angustiada. O medo agora era seu companheiro diário e, ao anoitecer, já sentia o desespero de saber que, mais uma vez, teria que encarar aquele terrível desconhecido.


Após alguns dias, ela percebeu que não poderia fugir a vida inteira. Embora nada acontecesse que justificasse realmente todos os seus temores, ela não conseguia livrar-se da horrível sensação daquelas noites longas e sofridas. Então, a bela princesa teve um rompante de coragem e resolveu enfrentar o medo, acabar com essa angústia e tentar resgatar seus sonhos maravilhosos. Se isso não fosse possível, restava ainda a esperança de poder dormir um sono sem sonhos, apenas dormir.

Deitou-se, nesta noite, disposta a fazer algo que a tirasse daquela situação tensa e massacrante. O sono a embalou depois de algumas horas. Logo o sonho reiniciava e, como sempre, era escuro, frio, úmido e tenebroso. Então a criatura saiu das sombras e postou-se à sua frente, como nos outros sonhos. Quase sem pensar, deu dois passos à frente aproximando-se um pouco mais da figura que tanto a ameaçava... seu corpo chegou a formigar, tal o medo que teimava em tomar conta. Tentou ignorar essa reação e olhou fixamente para o ser macabro e sinistro. Esperou por alguns momentos o que viria em conseqüência de seu momento de coragem mas, ela não veio como imaginara. O estranho ser apenas pareceu crescer, como se estivesse contrariado com sua ousadia. Ela sentiu um tremor de verdadeiro pavor tomar conta de seu corpo. Respirou profundamente e pensou que, se nada mais acontecesse, poderia prosseguir. Mais nada aconteceu realmente.

Então, mentalizou as perguntas que tanto a perseguiam:
- Quem é você e o que quer de mim?
Antes que pudesse verbalizar seus pensamentos, ela ouviu, embora tivesse certeza que não havia realmente uma voz... apenas um som que fazia sentido:
- Eu sou a sua consciência. Eu sou o seu pudor. Eu sou a sua vergonha. E sou tudo com o que você luta para ser uma pessoa igual às outras, comum. Mas não se iluda! Você nunca será uma pessoa comum, mesmo que se livre de mim pois, antes de tudo, você é única e ninguém vai poder transformá-la num ser igual a todos os outros. Isso já está decidido, desde seu nascimento, desde a escolha de seu nome!
E então, como se isso explicasse tudo, silêncio...

A pequena princesa ficou por alguns momentos tentando entender o que ouvira, como quem decifra um código, um enigma. Nada fazia sentido, nunca ninguém lhe falara tais palavras. Na verdade, nunca ouvira nada que explicasse coisa alguma na sua vida. Crescera cheia de dúvidas, sempre com a mente repleta de perguntas e nunca, nem em seus sonhos, alguém lhe respondera.

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