Capítulo XVII

O dia seguinte amanheceu claro e convidativo para um passeio. Saltando da cama, Ameba esticou-se por alguns instantes e foi logo fazer seu desjejum, ainda no quarto. Estava animada ante a perspectiva de passar um dia produtivo e poder assim ter ao menos uma chance de entender o torvelinho de mistério que rondava sua vida.

As aulas ainda demoravam um pouco para começar e daria tempo para uma caminhada no jardim, pensou ela. Além disso, poderia ainda encontrar William novamente, o que lhe daria grande prazer. Foi com este pensamento que chegou ao jardim, repleto de flores e cores, luz e sombra, perfumes e esperança. Caminhou com calma disfarçada, mas em seu interior, sentia a ansiedade crescendo, à espera de ouvir aquela voz melodiosa que tanto a encantara.

Poucos minutos depois de iniciar sua caminhada ouviu um farfalhar nas folhagens a sua esquerda. Parou e esperou. Não moveu sua cabeça para a esquerda, mas sim para o local de onde poderia chegar alguém do castelo a fim de verificar possíveis interrupções. Não havia ninguém. Assim, quase num sussurro, perguntou:

– William?
– Sim, minha princesa. – e, ao ouvir aquelas palavras, seu dia iluminou ainda mais. Fazendo-a sorrir abertamente. Olhou então para a esquerda de onde viu os cabelos loiros e revoltos de seu mais novo amigo. Ainda sorria quando seus olhos se cruzaram e ele também sorriu ao ver sua expressão. Foi um sorriso sincero e puro, carregado de alegria e prazer. Ficaram assim se olhando e sorrindo por alguns segundos até que resolvessem falar.
– Como vai, minha princesa? Tem passado bem?
– Oh, sim. Tenho passado bem, muito ocupada, porém. As coisas têm acontecido rápido demais em minha vida e quase chego a perder o pé, se é que me entende.
– Sim, entendo perfeitamente. Estou sabendo dos preparativos para a grande recepção. – neste momento seus olhos escureceram e seu sorriso se foi. Ele olhou para baixo como quem procura algo. – Falta apenas uma semana, não?
– Sim. Apenas uma semana. – e sentiu seu sorriso ir-se também. E arriscou:
– Sinto uma nota de desagrado em sua voz?

Sentiu que talvez tivesse ido longe demais. Talvez estivesse sendo presunçosa ao imaginar que a menção da recepção para a escolha de seu futuro marido teria sido desagradável para William. Mas surpreendeu-se ao ouvir o rapaz assentir, tímido:

– Não se enganou, minha princesa. Sinto ser tão transparente para a senhorita. Perdoe-me pela pretensão. Perdoe-me, não me diz respeito. É melhor eu ir agora.

E ela percebeu que era hora de cortar pela raiz o mal-estar que se instalara entre eles. Rapidamente interveio:

– Não! Não é pretensão e nem desrespeito seu demonstrar seu desagrado. Também é assim para mim. Também eu não posso concordar e nem tampouco gostar de ser exposta a todos como uma prenda frágil e valiosa. Tenho, na verdade, muito medo do que possa acontecer em sete dias. Tento nem pensar sobre o assunto pois nada posso fazer para evitar algo que já foi decidido pelos meus pais. – e algo em seu cérebro se acendeu ao ouvir sua própria voz dizendo “já foi decidido”... lembrou-se da criatura que povoara seus sonhos dizendo que tudo já estava decidido.
Permaneceu ali com o olhar perdido por alguns segundos tentando lembrar-se do resto da frase... “desde a escolha de seu nome”... mas baniu o pensamento da cabeça a tempo de perceber que sua confissão fizera o efeito desejado. William parecia mais leve ao ouvi-la e olhou-a com um misto de preocupação e esperança. Ficou alguns segundos a olhando e parecia lutar consigo próprio quando finalmente perguntou:

– Então, será que minha princesa não considera o futuro casamento como algo interessante, ou pelo menos, natural?
– Mas é evidente que não! Sinto-me ultrajada e desrespeitada e... – de repente percebeu que se inflamara e que estava revelando sentimentos tão íntimos, sentimentos que ainda não havia revelado nem a si mesma. Percebeu que aquela cerimônia seria como um mercado onde o produto oferecido ao melhor comprador era ela. E isso era um ultraje, realmente! Olhou para o rapaz como que buscando sua concordância e o que viu deixou-a desconcertada. Ele sorria satisfeito e seus olhos brilhavam!
– Está feliz? Minha situação ridícula ultrajante e... e, absurda lhe dá prazer? – sentiu-se abalada sem saber o que pensar e chegou a sentir um arrepio de amargura. Mas ele logo desfez sua indignação:
– Satisfeito, eu diria. Descobrir que minha princesa se revolta com tal insulto à sua inteligência e com seu direito de escolha me faz ter a certeza de que eu estava certo todo o tempo! Sempre soube que sua alteza não era submissa aos preceitos da realeza.

E o sol despontou novamente em seu coração, aquecendo-a como um manto de carinho que envolve cada partícula de seu ser. Entendeu que William a respeitava por não ser uma adolescente fútil e subserviente. Ele sabia valorizar seus princípios e sua clareza. Ele realmente a admirava e isso era extremamente excitante!

Sorriu de volta e assim permaneceram por alguns instantes, olhando-se como se acabassem de descobrir um grande tesouro. Um tesouro que estivera oculto por uma camada de líquens como aqueles que se formavam no tronco da mesma árvore que os abrigava do sol. Pensamentos começaram a povoar sua mente e sentimentos brotavam em seu coração. Entretanto não teve tempo para pensar melhor ou esclarecer tais pensamentos. Gostaria muito de confrontar com ele seus pensamentos e descobrir até onde iriam as semelhanças, até que ponto estariam na mesma sintonia. Alguém a chamava para sua aula diária.

William se escondeu e pareceu desaparecer num passe de mágica. Compreendeu que não havia o que fazer senão dirigir-se ao salão para as enfadonhas preleções sobre coisas inúteis. Porém hoje a aula seria diferente, com uma nova perspectiva se formando em seu coração.

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