Capítulo XI

A sensação de estar sendo testada por alguma força invisível e implacavelmente cruel aumentava na medida em que princesa Ameba caminhava em direção aos aposentos da rainha.
Chegando lá, entrou no amplo cômodo como alguém que está prestes a encarar um grande sacrifício.

Sua mãe penteava os longos cabelos, sentada defronte a uma suntuosa penteadeira cravejada de pedras preciosas. Era uma mulher bonita, elegante e fútil. Logo a rainha já falava sobre as obrigações de uma princesa na recepção de apresentação dos pretendentes. Era um momento único e a pretendida deveria portar-se impecavelmente diante de todos os presentes, principalmente os pretendentes. Deveria ser uma cerimônia rica e repleta de nobres de toda a redondeza. Havia um protocolo a ser seguido à risca e, cada gesto da princesa deveria ser passado e repassado a fim de que nada pudesse desaboná-la diante de todos.

E assim, sua mãe ia discorrendo sobre cada detalhe, os quais a princesa deveria treinar exaustivamente durante a semana. Seria designada a ela uma equipe de instrutores com os quais passaria a maior parte dos dias, enquanto receberia toda a instrução necessária e teria a supervisão adequada para que, findo o referido treinamento, estaria finalmente pronta para apresentar-se a contento.

A rainha falava e falava, como um poema de mau-gosto declamado pela milionésima vez. Mal respirava entre as frases e só parou quando engasgou com suas próprias palavras e teve um acesso de tosse que perdurou por quase dez minutos. Então, com os cabelos em desalinho e o suor formando bolhas sobre seus lábios, encerrou a entrevista com um breve e espremido “pode ir”, enquanto abanava-se com um leque delicado e secava algumas lágrimas, fruto do esforço para desafogar-se.

Por algum motivo que a princesa desconhecia, todos estavam ansiosos demais com a cerimônia de apresentação. Sabia que seu reino era rico o suficiente para despertar o interesse de todos os príncipes das redondezas. Também sabia que sua beleza era enaltecida por todos os que a conheciam. Não entendia o motivo de tanta ansiedade, como se houvesse a possibilidade de não haver um só interessado nesta união. Pensou e pensou, mas não conseguia entender tal temor. Ou seria pressa? Será que existia algum motivo para que o casamento acontecesse o mais rápido possível? Será que a intenção de seus pais fazerem o casamento com tanta urgência era, na verdade, movida por algo muito maior?

Não encontrando resposta alguma, decidiu que tentaria mostrar-se interessada para não levantar suspeitas. Porém, tentaria descobrir o que estava acontecendo com todas as suas forças.

Após uma tarde cansativa com os tais instrutores, Ameba dirigiu-se à biblioteca em busca de Theodore. Apesar da falta de intimidade com ele, sentia que poderia confiar nele se necessário. Mas ele não estava lá. Aliás, olhando melhor para o ambiente, achou que ele deveria ter saído com pressa. Vários livros encontravam-se fora do lugar e alguns objetos haviam caído da prateleira que ficava próxima dos mapas. Uma pequena mesinha estava virada, caída displicentemente ao lado do grande sofá. Aos poucos foi percebendo vários detalhes que mostravam que algo estranho havia ocorrido. Um tapete com a ponta dobrada, uma cadeira fora do lugar, uma folha de papel saindo debaixo do biombo de veludo vermelho... Pegou a folha com cuidado e virou para ver o outro lado. Havia uma espécie de mapa. Nas laterais da folha, algumas palavras soltas, sinais de interrogação, círculos e números acompanhados de letras. Pareciam anotações de alguém que tentava decifrar o tal mapa. De quem seriam aqueles traços apressados? Seriam de Theodore?

Então se lembrou do delicado senhor. Onde estaria ele? O que teria acontecido ali para que tudo tivesse que ser repentinamente abandonado? Poderia perguntar a alguém sobre isso sem o risco de revelar seu verdadeiro interesse?

Respirou fundo, dobrou a folha de papel duas vezes e guardou em seu cinto. Começou então a examinar cada detalhe dos móveis, tapetes, objetos e livros. Algo poderia dar-lhe mais pistas.
Ao final de 30 minutos fez um balanço do que havia encontrado. A área que mais continha alterações era a de geografia, onde provavelmente continha muito mais condições de ajudar a quem quer que tivesse a intenção de decifrar um mapa. Várias ferramentas de medição encontravam-se sobre a mesa, juntamente com quatro livros onde encontrou alguns pedaços de papel marcando algumas páginas. No primeiro, informações sobre cálculos e estudos sobre latitude e longitude. No segundo encontrou considerações sobre a influência dos astros nos fenômenos da natureza. No terceiro, o autor descrevia e explicava símbolos e códigos usados em cartas marítimas, mapas estelares e geográficos. Finalmente, no quarto livro, toda a sorte de histórias antigas e lendas fantásticas, um pouco de magia e mitologia. Neste último, figuras coloridas enchiam os olhos enquanto ilustravam as palavras. Nada disso, porém, fazia sentido para ela. Precisava de mais dados, mais informações.

Resolveu procurar algum empregado. Theodore não limpava sozinho a biblioteca. A ele cabiam os livros e objetos. A limpeza do chão, janelas, tapetes, mesas era feita por uma senhora muito quieta que, vez ou outra encontrara saindo dali com os apetrechos de limpeza. Não sabia seu nome, mas lembrava-se bem da expressão taciturna da mulher, como se não devesse estar ali. Olhava para baixo e saía rapidamente, sempre que a princesa chegava muito cedo à biblioteca.
Devido ao adiantado da hora, porém, não encontrou quase nenhum empregado ainda disponível, exceto aqueles que ficavam até mais tarde para servir às necessidades e luxos dos membros da realeza.

Contrariada, percebendo que teria que fazer isso no dia seguinte, recolheu-se para tentar dormir um pouco. O dia seguinte prometia ser longo e mais cansativo ainda do que já havia sido este.

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